*Natália Raposo
Fiquei bastante tempo pensando sobre o quê escrever nessa sexta-feira. Pensei em escrever sobre Transtorno Obsessivo-Compulsivo em comorbidade com a Síndrome de Tourette, sobre ansiedade, sobre dúvidas básicas a respeito da síndrome e até sobre a guerra de egos que acontece sim dentro do segmento da ST. Muito provavelmente escreverei sobre esses temas em outras ocasiões, mas, hoje, não me saiu da cabeça uns papos que tive com Giba.
Eu, que costumava achar que todos os portadores de Tourette são pessoas gente boa, tive minhas ideias pré-prontas desconstruídas por Giba que me contou casos de portadores que ele conheceu pela vida e que não são pessoas lá muito admiráveis. Já faz tempo que ele me contou essas histórias, e recentemente tive provas de que ele dizia a verdade (não que eu duvidasse, claro, mas comprovar empiricamente é sempre mais seguro). Depois disso, fiquei pensando muito a respeito e há alguns dias essas questões não me saem da cabeça.
Pela minha lógica, pessoas que têm Tourette, assim como aqueles que têm diferentes deficiências e passam por grandes dificuldades na vida, tenderiam a ser pessoas mais humanas, com um olhar mais cuidadoso para o outro, mais solidárias à dor e angústias do próximo. Mas não, fora do país das maravilhas o mundo não é bem assim, e eu, sabe lá por que, ainda me choco, me incomodo e me comovo.
Como alguém que sofre preconceito dia a dia é capaz de discriminar outro que sofre dos mesmos males? Como alguém que luta com dificuldade para ser aceito no mercado de trabalho pode querer “colocar areia” no trabalho do outro que também corre por fora na tentativa de se inserir num mercado fechado que precisa de leis que o obriguem a aceitar o diferente, o que foge ao padrão? Como são capazes de tentar enterrar os sonhos dos outros?
Uma vez, era noite de domingo, estava de plantão no jornal em que eu trabalhava, quando o irmão da editora do plantão ligou contando que um senhor aparentemente perdido foi encontrado por ele em frente à sua casa, ele dizia que estava no Recife, dava informações desencontradas. As pessoas que encontraram o senhor queriam saber como proceder, a que órgão recorrer para que o homem encontrasse sua família ou alguma referência.
Naquela noite, o fotógrafo foi até lá, fez fotos, a repórter escreveu uma matéria para o jornal do dia seguinte, eu publiquei uma matéria no site do jornal e esperamos o resultado. Depois da família localizada, descobriu-se que o senhor tinha Alzheimer e que já se perdera outras vezes enquanto passeava pelo bairro. Daquela noite, ficou na memória a história e o comentário da editora orientando o irmão para que ele ajudasse o senhor, mas que, por questões de segurança, não o pusesse para dentro de casa: “Os canalhas também envelhecem”, disse citando Rachel de Queiroz.
Alguns canalhas também fazem tiques…
‘Para todo mal, a cura.’
*Natália Raposo escreve sobre Síndrome de Tourette, às sextas. Nos outros dias da semana pode ser encontrada aqui, ali e acolá: Um Pouco de Bossa, Dia de Sopa, Céu do Dia.